7:20h da manhã e eu estava no ônibus, indo trabalhar. É o ônibus, em geral, o meu melhor lugar de observação.
Sentei naquele banco lá do final do ônibus, na janela. Lá, a janela abre bem grande e consigo sentir o vento, no trajeto, logo cedo, me deixando bem descabelada.
E, o livro, sempre comigo. Estou lendo “Anjo noturno”, de Sérgio Santana. Um livro de narrativas muito bom.
No meio do caminho, entram crianças de escolas públicas que tem por ali. Elas estão indo para a escola, uniformizadas, e com as suas mochilas.
Logo ao meu lado senta uma menina de por volta dos seus 05 anos. Ao lado dela, o irmão, com idade também indefinida – pode ser mais novo ou mais velho. Sem pais ou alguém mais velho ao lado.
Ela senta com a mochila nas costas, e começa a me observar.
E eu adoro a curiosidade ousada das crianças. Ela me olhava sem cerimônias. Olhava no meu rosto, a alguns centímetros. Olhava o que eu estava lendo e tentava, de alguma forma, ler junto. Olhava por baixo, para ver o que eu estava vestindo nas pernas e calçando. E assim fomos a viagem.
Eu não olhava para ela, mas conseguia perceber o seu olhar. Eu mesma não ousei. Tive vontade de perguntar seu nome, de interagir com ela, de mostrar o livro que eu estava lendo.
Mas eu fiquei olhando as páginas do livro, e não conseguia mais ler uma palavra, observando (com os sentidos) o olhar daquela menina. Eu mesma interpreto o olhar dela. Não sei o que ela pensava ou sentia.
Mas eu penso que perdemos um lado criança tão primordial: a coragem de olhar. A coragem de olhar sem cerimônias. Aquele olhar que é sem julgamento, que é apenas um olhar para o outro, um interesse genuíno. O que o outro lê? O que o outro veste? Deixa eu ver a cara do outro.
Foi isso que perdemos: a ausência de julgamento, o olhar para fora e para dentro, a curiosidade, a bisbilhotice infantil pela vida alheia.
Obrigada, menina, por ter me olhado e, ainda que eu não tenha te devolvido o olhar, me fez pensar sobre os olhares que devo ter daqui para frente. Para dentro e para fora.