Este texto pode parecer piegas, mas vou contar três cenas bem corriqueiras para exemplificar o que quero dizer, no final.
Cena 1.
Eu estava entrando no ônibus, na quinta-feira (sim, tem sempre uma observação de fatos cotidianos no ônibus), daqueles sem cobrador, em que tem duas roletas.
Eu passei na roleta, com o meu bilhete único.
Atrás de mim, uma senhora passou com o bilhete dela e o seu bilhete caiu num lugar de difícil acesso. Ela precisaria se abaixar, se esticar, e ficar numa posição (com o ônibus já em movimento) difícil. Eu me ofereci para pegar o bilhete para ela. Precisava deixar as minhas coisas (estou sempre carregada!) num canto, num banco, para catar o bilhete dela. Ela agradeceu e pronto.
Cena 2.
No sábado, eu peguei outro ônibus. Mesma situação. Só que agora comigo. Meu bilhete caiu lá atrás. Num lugar que pensei: “e agora?”. Parecia impossível. O ônibus fazia curvas. Eu carregada. Antes de me abaixar, pensei em qual deveria ser o movimento exato para buscar o bilhete único num lugar de difícil acesso.
Um rapaz apareceu (estava sentado em um local no ônibus que eu não vi) e não dialogou comigo. Apesar pegou o meu bilhete (ele era magro e alto e tinha uma flexibilidade e um braço comprido que conseguiu pegar), e me entregou com um sorriso belíssimo. Não trocamos uma única palavra, além do “muito obrigada”.
Na hora, me lembrei do gentileza gera gentileza, lá do profeta.
Cena 3.
No âmbito profissional, um homem (chamarei de Wilson) foi desrespeitosamente agressivo com outro (que chamarei de Hélio). Dois profissionais, mesma empresa. Hélio cometeu um erro, sem querer. Wilson foi impactado pelo erro de Hélio e foi super agressivo com ele. Algo desmedido, desrespeitoso, sem educação.
Isso tudo foi com uma certa platéia. Ficou bem feio para Wilson. Hélio ficou irritado, com razão. Ninguém merece ser tratado daquela forma. Não há justificativa plausível.
Minutos depois o celular de Hélio tocou. Wilson já tinha ido embora. Do outro lado da linha, uma operadora de telemarketing, que é uma profissão já estigmatizada por um monte de adjetivos negativos.
E o Hélio – que acabou de ser agredido pelo Wilson – foi super agressivo com a operadora de telemarketing. “Estou estressado. Não me ligue. Não quero. Você está sendo isso, aquilo, aquilo outro!” e bateu o telefone. Além de desligar o telefone, bateu com ele sobre a mesa. Literalmente.
E lembrei: é mesmo, gentileza gera gentileza.
O que sobra disso tudo, minha gente?
O que quer que façam conosco, ou o que falem conosco, ou como nos tratem, não deve nos influenciar no tratamento para com o outro.
A ética e a gentileza e a educação devem ser inabaláveis.
Se você – psicólogo – teve um dia ruim no trânsito, não significa que deve tratar o paciente da forma X ou Y porque o motorista do Uber não foi como queria.
Ou se você – vendedor – perdeu uma venda, ou foi desrespeitado pelo cliente, que atendeu, o próximo não deve “pagar o pato”.
Ou se você – qualquer que seja a sua profissão: taxista, vendedor, telemarketing, professor, copeira, advogado, psicólogo – deve lembrar que o outro – o próximo passageiro, a próxima turma, o próximo cliente, ou paciente – não deve ser tratado da forma X ou Y por causa da forma que alguém tratou você. A ética, a gentileza e o respeito devem ser a base da nossa conduta pessoal e profissional.
A forma como as pessoas nos tratam falam delas mesmas. Não deve nortear a nossa ação, conduta.
O que deve ser repetido e passado adiante é o olhar gentil ao outro. Afinal de contas, é isso mesmo: gentileza gera gentileza. E, parafraseando a piada, seria ótimo que a gentileza educasse a “gente lesa”.