Outro dia eu ouvi: “o amor presente em um olhar”. Em geral, a gente associa (eu, inclusive) o amor ao abraço. Ao afeto entre cônjuges. Daquelas relações longas e duradouras. Ahhh… como os velhinho se amam… Estão há quantos tantos anos juntos?
Mas esse amor, presente em um olhar, pode ser um amor de dez segundos. Pode ser uma troca de olhar amoroso, de afeto. Pode ser um amor travestido de um “obrigada”.
Fiquei pensando em algumas profissões em que o amor está presente no olhar. (Vou tratar as profissões no feminino, porque acho que grande parte das mulheres, independente da escolha matenidade, nascem providas de amor). Talvez a médica, a enfermeira sejam as profissões óbvias de amor no olhar. Elas olham pacientes todos os dias, cuidam deles. Com técnica, mas também com amor.
Talvez a assistente social. A psicóloga. Aquelas que acolhem, escutam. A fisioterapeuta, que ajuda a recomeçar os passos possíveis.
Mas quem pensa em “amor presente no olhar” da merendeira de uma escola? Que alimenta crianças, adolescentes, professores. Muitas vezes, ela está do lado de lá da parede. Ou, nos serve no prato, aquela fileira de gente, cabisbaixa, atenta pra não cair nada pra fora.
Muitas vezes, quando há uma troca de olhar de “que delícia essa sua comida, obrigada”, há amor nesse olhar. Pode ser gratidão? Pode. Mas há amor. Reconhecimento do outro.
E fiquei pensando, também, nas estátuas vivas. Ou nos músicos de violino. Eles eram tão presentes nas ruas do Centro do Rio que nunca mais os vi. As estátuas vivas ficam ali, em cima de uma caixote, imóveis. Por horas. Fantasiadas, pintadas, cobrindo um corpo que não se move. Mas que sente. São seres humanas. Estátuas, porém vivas.
E é na troca de olhares com os passantes, transeuntes, outros-seres-humanos que a vida acontece. Que a vida se move. Que, num olhar sorridente de uma para outra (já vi muitas estátuas sorrirem com os olhares) é que acontece o amor.
E, os músicos de violino (falei do violino porque é o instrumento que me emociona)? Eles tocam. Em silêncio. Olhos fechados ou abertos. Balançam a cabeça afirmativamente e afetivamente quando alguém pára para ouvi-los. Enchem os nossos dias silenciosos de som que emociona.
Penso, também, que é neste reconhecimento de olhar-amor que acontece a vida. Perceber, no outro, a possibilidade da troca de afeto, do amor, aquece o coração de qualquer um. Aquece o meu.
Porque o amor não precisa de um dia, um ano, dez anos, quarenta anos pra existir. Se acontecer? Maravilhoso. Mas o amor pode durar os dez segundos possíveis parados ouvindo o músico. Ou vendo a ser-humana-estátua-viva.
É na troca de olhar, ainda que fugaz, que acontece a possibilidade do amor.
Que a gente possa olhar com amor por quem nos passa. Que a gente possa receber o amor por quem passa por nós. Que a gente possa se permitir esta troca. 10 segundos de amor pode ser muito tempo para uma vida inteira.