Hoje, na hora do almoço, eu tinha monte de coisas para resolver com o Marido. Quase sempre almoçamos juntos. Sim, apesar de sermos casados, e de nos vermos todos os dias, gostamos também de, no meio do expediente, partilharmos o alimento.
E aí, pelo pouco tempo, fomos fazer um lanche na Parmê, ali na Rua do Rosário.
Fizemos o nosso pedido e pouco depois entrou um menino, de por volta de seus oito, ou dez anos, pedindo um prato de comida ao Marido. Era engraxate, pelo Centro do Rio. Carregava aquele caixote de madeira, embaixo do braço.
– Sim, eu pago, ele disse. Escolhe o seu prato.
Era um painel grande, com diversos cardápios, com fotos e tudo.
O menino escolheu qual queria.
– Arroz, feijão, farofa, batata e carne. Quero este, ele disse.
O Marido foi, pagou, e entregou a ficha para o menino.
– Sua senha é a 05. Fica atento.
E fomos comer – eu e Marido – e o menino aguardando a sua senha ser chamada.
Enquanto ele esperava, percebi que outros dois meninos – também engraxates – aguardavam sentados no meio-fio, do outro lado da calçada.
Chegou o prato do menino, ele mesmo foi ao balcão buscar o prato, a bebida, e se sentou à mesa da Parmê, para comer sua comida.
Fez um sinal para os amigos do outro lado da calçada.
Os amigos foram embora. Desviaram o caminho e seguiram o caminho deles. Distante do menino que, agora, se alimentava.
Este, que se alimentava, deixou o prato – cheio de comida – e sumiu. Foi atrás dos outros dois.
Muitas pessoas na Parmê ficaram “chocadas”. E tenho certeza (porque eu mesma pensei) que pensaram: ingrato! O rapaz deu o prato de comida, a bebida, e agora ele deu uma garfada e foi embora! Por isso que não adianta, bla bla bla!
Segundos – que poderiam ter durado minutos, voltam os três meninos. O menor, que estava comendo até então, deu o seu lugar para um dos dois amigos. Este se sentou no lugar anteriormente do menino, e comeu a comida do prato dele.
Depois, veio o terceiro, e comeu um pouco também.
E os três revezavam-se pelo mesmo lugar, pelo mesmo prato de comida, pela mesma bebida.
O que fica muito claro para mim é: o menino tinha a comida, mas perdeu os amigos. Foi atrás deles. O afeto vale mais do que o alimento.
E, ele não queria e não podia se alimentar sozinho. A comida era compartilhada. Não na mesma mesa. Os três sentados juntos. Mas cada um sentado de uma vez. Comendo do mesmo garfo, da mesma faca, do mesmo copo, do mesmo prato, da mesma comida.
O comer é solitário, mas, ao mesmo tempo, é coletivo, compartilhado.
Porque, ainda que haja fome, a maior das fomes é a de afeto. É a de solidariedade. E, esta, eles estavam partilhando. E, por que partilhavam, estavam saciados.