Outro dia eu estava saindo pra almoçar, sozinha.
A saída do prédio onde trabalho é bem ampla e tinha um homem olhando a rua e as pessoas passando. Mais alto que eu, ele usava óculos, cujas lentes eram largas, para os lados. Essas lentes pareciam armazenar os gestos alheios.
Por um segundo, eu também consegui olhar pelos óculos dele. Em uma fração minúscula de tempo tive uma mini perspectiva do que e como ele enxerga. Para mim, pareceu um pouco embaçado. Desfocado. Esfumaçava.
E fiquei andando e vindo pro almoço pensando.
Como seria a nossa perspectiva de olhar se a gente colocasse a lente dos outros? Se vestíssemos o olhar de alguém?
Claro. É algo que não será possível. Muito utópico e viajante.
Além de tudo, seria perturbador conseguir adentrar um local natural de defesa do ser humano, o pensamento.
O que o senso comum diz sobre empatia se parece um pouco com isso. Se colocar no lugar do outro. Sentir como o outro sente. Ser empático com e por.
Mas vestir os olhos já é mais complexo. É ter uma perspectiva não-minha. A via alternativa para recusar a vista é o desespero de se cegar como fez Édipo ao apreender a sua própria verdade, que tomou consciência real de que seus atos, voluntários ou involuntários, afetavam frontalmente a existência do outro. Somos mais interligados do que pensamos.
É fácil ter a perspectiva do cônjuge. Do filho. A gente até gostaria um pouco de colocar os olhos do filho na gente. É o igual. É o pretensamente criado à nossa imagem e semelhança. Esses seriam os olhos de um lugar seguro.
E o que dizer de vestir os olhos do diferente? Do malfeitor? Do assassino? Do pedófilo? Ou do depressivo? Como seria a experiência de despovoar a zona de conforto e tentar sangrar por novas experiências?
Chama um pouco a minha atenção às pessoas que usam óculos escuros. Eles não têm colírio. Penso nisso como uma blindagem, um insulfilm para carros. É a colocação dos próprios olhos no terreno do egoísmo. É privar do outro a chance de dividir o olhar de mundo.