A história do Breno

Eu pego o Uber quase sempre no mesmo lugar. Mesmo destino. Sempre um motorista diferente.

Dada a hora e o dia cheio de trabalho e o meu cansaço, vou em silêncio, lendo.

Mas desta vez, conheci o Breno, o motorista de apenas 21 anos, que me levava para casa. (Pedi autorização a ele para escrever a sua história. Este não é seu nome real). “Que legal, doutora. Pode escrever sim senhora!”

Sempre peço permissão ao motorista para ligar a lanterna do celular, para ir lendo, ou fazendo alguma coisa ali atrás. Nunca sei se a lanterna vai atrapalhar a direção do motorista.

E foi assim que começou a nossa conversa. Breno achou que eu ia trabalhando ali, no carro. E eu disse que não, que estava lendo um livro emprestado pela Hanna, minha filha. Acabou que a leitura foi para a hora antes de dormir. A conversa estava melhor do que qualquer livro policial.

Breno tem 21 anos. É militar do Exército e trabalha de Uber nos finais de semana. Agora, final do ano, está trabalhando durante a semana para fazer um extra.

Mora na Maré. Na comunidade mesmo. Vivia com os avós, mas agora é casado. Sua esposa tem 22 anos e estuda Administração.

Quando soube que eu era Psicóloga, ele diz que seu sonho é estudar Psicologia, mas que, na vida, fez o caminho inverso. Foi trabalhar primeiro, para fazer um dinheiro e poder, depois, pagar a sua faculdade. Vai começar fazendo Ciências Contábeis (“Psicologia vai ficar para depois”). Vai começar ano que vem. Já pode investir na sua faculdade hoje.

Ele é aquele, da familia, o primeiro que fará uma graduação (e vai concluir, ele sabe). Quer sair da comunidade, quando acabar a sua graduação. Vender a sua casa e ir morar em Del Castilho, num apartamento, com a sua esposa. E dar uma vida melhor para os filhos.

– Já tem filhos, Breno?

– Não, mas quando eu tiver.

Seu avô, que também é militar aposentado, comprou um terreno e vão dividir. Uma casa para Breno e a esposa. Outra casa pros avós. Estão construindo ainda. Vai ter piscina pras crianças todas (os seus filhos, que ainda virão).

Ah, e quando tiver acabado a graduação, e estiver pagando o seu apartamento de Del Castilho, vai pagar a faculdade da mãe, de Direito. Ela é a mulher mais inteligente que ele já conheceu. Hoje em dia, é caixa de uma farmácia na Tijuca e não pôde realizar o seu sonho (de ser Advogada), pois teve os filhos cedo. Ele, aos 21, é o mais velho de 4 irmãos.

Ele vai estudar, vai dar uma vida melhor para seus filhos. E, quando acabar, vai se mudar com a esposa pra fora da comunidade, e ajudar a realizar o sonho da mãe.

Quando a mãe se formar em Direito, vai poder sair de trás do caixa, ter um emprego bom, e poder pagar a faculdade das suas irmãs, que estarão crescidas.

E ele, apesar de morar na comunidade e lá ser perigoso, ele gosta. Mas quer uma vida melhor, sem violência, para seus filhos. Por isso vai pro apartamento. Todo mundo diz que apartamento é ruim, que não tem quintal. Mas a casa de Araruama está aí pra isso. Vai ter a piscina pra todo mundo brincar! Final de semana vai todo mundo pra Araruama. As irmãs, as crianças, a família toda.

Eles são muito unidos. Tem um churrasco por mês na lage do avô. Um dá a carne, outro a linguiça, outro a cerveja (ele não bebe, mas tem gente que bebe e gosta, né?), outro dá o sorvete, e assim a gente vai se ajudando e comemorando o estar junto uns com os outros.

Quero dizer que saí do carro profundamente emocionada com a história do Breno.

Quantos Brenos cruzam por nossos caminhos?
Quantos Brenos dirigem nossos Ubers?
Quantas mães de Brenos são caixas de farmácias que compramos remédios?
E sequer paramos para ouvir as suas histórias?
Ficamos plugados nos nossos stories-de-cada-dia, ou nos nossos livros e perdemos o olhar, a troca, o aprendizado com o outro?

Breno, obrigada por compartilhar sua história comigo. Como eu disse que ia escrever sobre você, eis aqui. E ainda digo: quero conhecer seus filhos, e te dar os parabéns pela formatura em Ciências Contábeis. Apesar de ter dialogado pouco mais de quinze minutos com você, você me inspira nos seus objetivos, luta e garra.

E espero que isso se repita com as pessoas que cruzarem seu caminho!