Invisíveis

Há uma coisa que me choca na sociedade e no dia-a-dia.

Eu sei que eles (e elas) já foram chamados de mendigos, moradores de rua e, hoje, são as pessoas em situação de rua. E acho que não há nomenclatura mais apropriada: a pessoa está em uma situação de rua. Ela não pode ser moradora de rua, pois na rua não se mora. Na rua se passa, se vai, se vem. Mas, morar, não.

E, existem pessoas que vivem ali. Aos pés do nosso prédio, do nosso trabalho, da loja em que compramos roupas, do restaurante em que comemos, da rua por onde passamos.

E, o que eu vejo, no dia-a-dia, e que me choca, é que há a invisibilidade social. Para a grande maioria das pessoas, há o outro (a amiga, o colega, o cônjuge), ou há o celular, a rede social. E o espaço da pessoa em situação de rua é o não-outro.

A pessoa que passa, ali, não vê que existe uma pessoa bem próxima ao chão. E que aquela caixa, aquele jornal, podem ser armário e cama. E cobertor, e roupa. E ser humano. E fome. E silêncio. E grito. E pedido de “olhe para mim”.

Mas os outros, os transeuntes sequer olham. Ali, para eles, não há pessoa.

Me choca o olhar, a miséria, a fome, a invisibilidade do outro. O outro é não-outro. E me choca as pessoas, às vezes, esbarrarem, pois os olhos estão nos celulares. E, às vezes, podia ser uma pedra. Mas não é: é um ser humano. Igual aquele, com o olhar no celular.

Eu, quando saio do trabalho, vou para casa. Abro a porta com a minha chave. Encontro a minha família. Abro a geladeira, pego água. Durmo com cama, cobertor, travesseiro. Mas eu vejo – porque olho – para as pessoas (in)visíveis. Olho nos olhos dela e falo: “boa noite, fica com Deus”.

Eu moro na minha casa. Eles, moram em lugar algum. São desterritorializados. Não vistos. Não falados.
O diferente provoca o desejo de distanciamento.
Repudiamos o que não nos é igual. “Narciso acha feio o que não é espelho”, já dizia Caetano Veloso.

E, há entre eles, as pessoas em situação de rua, uma cumplicidade, um carinho, um olhar. Uma fala, um verbo. O silêncio, entre eles, inexiste. Pode existir para nós, que não vivemos ali. É um barulho que não escutamos. E eles, por seu lado, olham para nós, como um espetáculo, como um diferente. Como se fossem mundos paralelos, que não conversam, literalmente. Sequer se olham. Que dirá se dialogam.

A invisibilidade e a não-comunicação entre os mundos. O mundo de fora, e o mundo de dentro.

As grandes perguntas são: o que é fora e dentro? Onde está o fora seu e meu? Em que miséria de nós mesmos estamos vivendo?